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segunda-feira, 21 de abril de 2025

Resenha Literária: Coleção Vozes do Piauí – Uma cartografia poética da diversidade


A Coleção Vozes do Piauí, idealizada pela Editora Tremembé no âmbito do Projeto Vozes do Piauí, é uma iniciativa profundamente enraizada no espírito da coletividade e da resistência literária. Com curadoria de Ana Ferreira, Gabriela Sena (in memoriam), Marcello Silva e Zilmar Júnior, e sob a coordenação do escritor Alexandre César Mendes Araújo, esta série de quatro coletâneas — Vozes Femininas, Vozes da Periferia, Vozes do Povo Negro e Vozes Ribeirinhas — representa um marco na história recente da literatura piauiense.

Mais do que uma reunião de textos, trata-se de um gesto político e poético: reunir autoras e autores de diferentes territórios e identidades para ecoarem, juntos, o que por muito tempo foi silenciado. Tal como nos versos de Torquato Neto — “a memória que suja a história que enferruja o que passou” —, essas vozes reconfiguram o passado e propõem novos significados ao presente, tornando o poema não um refúgio, mas uma intervenção no real.

Cada coletânea carrega o frescor e a densidade de narrativas poéticas que se entrelaçam, explorando temas como ancestralidade, pertencimento, resistência feminina, desigualdade social e a poética dos rios e das margens. São vozes que, como as de Torquato, H. Dobal ou Da Costa e Silva, não pedem licença para existir — ocupam, denunciam, encantam.

A pluralidade de estilos, que vai do verso livre ao metrificado, da prosa poética ao lirismo narrativo, revela não apenas a riqueza criativa do Piauí, mas a maturidade de um projeto literário que sabe ouvir e oferecer escuta. A força dessa coleção também reside na sua acessibilidade: exemplares distribuídos gratuitamente aos autores, escolas e às bibliotecas, num gesto de partilha que rompe com o elitismo editorial e insere a literatura no cotidiano das comunidades.

Aprovado pelo SIEC e patrocinado pelo Armazém Paraíba, o projeto destaca a urgência de se manter e ampliar os incentivos públicos à cultura. Sem tais políticas, muitas dessas vozes permaneceriam à margem. Vozes do Piauí mostra que a literatura, quando nasce do coletivo, é capaz de reinventar a memória, ampliar o pertencimento e transformar o silêncio em canto.

SILVA, Marcello. 2025


domingo, 13 de abril de 2025

Resenha Literária: Entre Gerações – Diálogos que atravessam o tempo


A coleção Entre Gerações é uma ponte construída com palavras, entre autores de diferentes idades, experiências e olhares, unidos por um propósito comum: fazer da literatura piauiense um espaço de encontro e continuidade. Idealizada por Claucio Ciarlinie José Luis de Carvalho em 2018, e composta por três volumes (Contos entre Gerações, Poemas entre Gerações e Crônicas entre Gerações), a série torna-se um marco editorial em Parnaíba e no Piauí, reunindo 78 autores numa verdadeira celebração da diversidade literária.

Desde nomes consagrados como Alcenor Candeira Filho e Elmar Carvalho, até jovens talentos que florescem nas margens da escrita, a coleção representa o espírito da coletividade, evocando a proposta do modernismo brasileiro que, em 1922, rompeu barreiras para dar espaço a novas vozes. A ideia de “gerações que conversam” lembra também o projeto Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século, organizado por Ítalo Moriconi, onde o tempo literário é menos uma linha cronológica e mais uma rede de afetos, influências e partilhas.

O primeiro volume, Contos entre Gerações, abre a trilogia com tramas diversas que mergulham na ficção e no cotidiano. O segundo, Poemas entre Gerações, lançado em meio à pandemia, resgata a lírica como resistência e ternura em tempos difíceis, mantendo viva a palavra mesmo no isolamento. Por fim, Crônicas entre Gerações encerra o ciclo com textos que oscilam entre a memória e o agora, construindo pontes emocionais com o leitor.

A culminância da coleção num evento coletivo, em dezembro de 2021, sintetiza seu verdadeiro sentido: não apenas publicar, mas reunir. Entre Gerações tornou-se um ato de eternizar ideias e vínculos — uma obra que, ao se inscrever na história da literatura piauiense, cumpre o papel maior da arte: deixar raízes para o futuro florescer.


Resenha Literária: Nau Lírica – Uma travessia de vozes e versos


Nau Lírica é mais que uma coletânea literária — é uma embarcação simbólica, um projeto de fôlego que conduz 75 autores por águas profundas de sentimentos, estilos e linguagens. Lançada em novembro de 2024, na Academia Parnaibana de Letras, e organizada pelo coletivo Piauí Poético, a obra é uma ode ao fazer literário colaborativo, à potência da diversidade e à força da escrita que nasce da margem para alcançar o oceano.

Com organização de Claucio Ciarlini, Jardel William, Lírio Reluzente e Wilson Maudonado, e projeto gráfico de Antônio Soares, a coletânea destaca-se pela multiplicidade: homens, mulheres, autores consagrados e estreantes, todos reunidos numa mesma nau que cruza o tempo e o espaço da criação literária. A imagem da "nau" evoca referências como Mensagem, de Fernando Pessoa, onde o mar também representa o destino dos que ousam imaginar. Aqui, no entanto, não se trata de uma nau solitária, mas coletiva — símbolo da partilha e do pertencimento.

A pluralidade de estilos — do lírico ao narrativo, do poético ao reflexivo — são caleidoscópios literários em que múltiplas vozes emergem para compor um retrato da produção de uma geração. Nau Lírica é igualmente uma fotografia poética e pulsante da literatura contemporânea piauiense, marcada por um desejo de expressão e renovação.

A coletânea insere-se no rico cenário literário do Piauí, dando continuidade a movimentos que exaltam a literatura regional como espelho de identidades e territórios. É, como disse o próprio Claucio Ciarlini, “uma verdadeira nau que navega pelas águas da literatura”, reunindo tripulantes de diferentes rotas num mesmo destino: a arte de escrever

SILVA, Marcello. 2025

Resenha Literária: Letras de Amarração II – Literatura viva da Planície Litorânea


A obra Letras de Amarração II é mais que uma coletânea literária; é um manifesto de pertença, memória e continuidade. Neste segundo volume da série, quinze autores — oriundos de Luís Correia, ou que ali fincaram suas raízes — entregam ao leitor um mosaico de sentimentos, saberes e vivências, entrelaçados pela geografia simbólica da Amarração.

Este livro coletivo celebra não apenas o espaço físico da Planície Litorânea do Piauí, mas a permanência de vozes que narram o cotidiano, a cultura e o imaginário popular da região com a sensibilidade da tradição oral reinventada em palavra escrita, dando protagonismo a uma literatura que emerge das margens com força própria.

A pluralidade estilística dos autores, muitos deles novos talentos ao lado de nomes já consolidados, evidencia a potência dos projetos colaborativos. Como em Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa, há uma travessia simbólica em curso — entre o passado e o presente, o regional e o universal, a memória e a criação.

A obra também revela a importância das políticas públicas (Lei Paulo Gustavo) e incentivos à literatura local, destacando o papel fundamental de coletivos e editoras regionais na propagação da literatura piauiense. Letras de Amarração II é, portanto, um farol para a produção cultural do litoral nordestino, projetando vozes que merecem ecoar cada vez mais longe.

Organizadores: Antonio José Sales e Josiel Barros
Autores: Antonio José Sales, Daltro Paiva, Dêvia Lima, Edna Santos, Floriza Sales, João Francisco de Oliveira, José Ildegardo Saraiva Silva, Josiel Barros, Joyne Rodrigues de Oliveira, Maria Beatriz Sobrinho de Souza, Maria da Luz de Carvalho Santos, Marli Pereira Barros, Moisés Pereira dos Santos, Solange Veras Roque e Trícia Tiemy Inatomi Saraiva.

SILVA, Marcello. 2025

sábado, 12 de abril de 2025

Resenha Literária: Guardiões da Profecia de Fábio Keller


A série Guardiões da Profecia, do autor paranaense Fábio Keller, é uma notável incursão ao universo místico e folclórico do sertão nordestino, e, partindo da pena de um escritor sulista que, curiosamente, nunca pisou no Nordeste, é ainda, mais louvável. Composta por A Contenda do Sertão e A Caçada a Lucius, a obra surpreende pela autenticidade e respeito às tradições culturais, espirituais e lendárias da região.

No primeiro volume, desenrola-se uma épica batalha entre o bem e o mal no coração do sertão. O bem é representado por personagens vibrantes como o padre Getúlio, os cangaceiros Gavião, Sanhaço, Sussuarana e personagens sulistas: velho bruxo tropeiro e o menino indígena Charrua — figuras que evocam a força do imaginário nordestino-sulista. Já o mal ganha forma num exército de mortos-vivos liderados pelo Bruxo Mor Crocotá, liderando jagunços, volates e outros bruxos como Bartolomeu, que personificam o medo ancestral das forças ocultas.

Já em A Caçada a Lucius, a narrativa mistura elementos do terror e da fantasia folclórica. Lucius, uma criatura híbrida entre lobisomem, vampiro, etc. devasta a pacata Serra das Flores. Os guardiões, agora reforçados pelo misterioso Padre Lucas e por uma criança enigmática chamada Bento, enfrentam dilemas morais e desafios místicos numa jornada que é tão introspectiva quanto heróica.

Keller faz lembrar o regionalismo mágico de Ariano Suassuna e a tensão entre o sagrado e o profano presente em obras como Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. No entanto, seu maior feito é dar voz ao Nordeste com um lirismo próprio, respeitando seus mitos, seu misticismo e sua religiosidade, construindo uma obra que honra essa região profunda.

SILVA, Marcello. 2025