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segunda-feira, 23 de junho de 2025

Concha Marinha – Santiago Pontes e os abismos poéticos da existência


Santiago Pontes, camocinense com alma filosófica e coração marítimo, entrega ao leitor em Concha Marinha uma obra de duplo mergulho: poesia e prosa entrelaçadas por um fio temático que atravessa toda a sua produção — o mar. Depois de Homem do Mar e Oceano de Mim, este livro, publicado de forma independente em 2023, reafirma o elemento marítimo como metáfora existencial, território de reflexão e espelho do eu.

Dividida em duas partes — a primeira dedicada à poesia, a segunda aos contos — Concha Marinha é, desde o título, um convite a escutar o som interno das coisas. A concha, símbolo do que é ao mesmo tempo frágil e profundo, torna-se aqui um objeto poético que guarda não apenas o rumor do oceano, mas também o eco dos dilemas humanos. Santiago escreve como quem recolhe pedaços de vida na areia e os transforma em texto.

A poesia da obra é confessional, filosófica e livre — não presa à rigidez formal, mas ancorada numa busca constante por sentido e beleza. Com linguagem coloquial e afetuosa, Santiago provoca e acolhe, reflete e questiona, oferecendo ao leitor versos que se aproximam como conversa e, ao mesmo tempo, reverberam como pensamento. É uma escrita que não teme os grandes temas — amor, solidão, morte, tempo —, mas os aborda com simplicidade e profundidade, como se cada poema fosse uma âncora lançada ao fundo do ser.

Já na segunda parte, dedicada à prosa, os contos revelam o domínio criativo do autor: há imaginação, fantasia, e uma habilidade peculiar de criar narrativas onde o cotidiano e o insólito se encontram. As histórias transitam entre o real e o fantástico, mantendo viva a provocação filosófica que permeia toda a obra. 

Concha Marinha é um livro para ser lido com vagar, como quem caminha pela praia recolhendo o que as marés deixaram. É também um convite a pensar a vida com leveza, mas sem superficialidade — marca dos bons escritores e dos bons filósofos. Santiago Pontes prova, com esta obra, que o mar continua a ser uma fonte inesgotável de perguntas e poesia.

SILVA, Marcello. 2025

domingo, 22 de junho de 2025

Poemas Ébrios – Sousa Filho e a embriaguez consciente da palavra


Poemas Ébrios, do parnaibano Sousa Filho, é uma obra de travessias — de estilos, de vozes, de estados da alma. Com 139 páginas e publicação independente em 2024, o livro revela um poeta de múltiplos registros e intenções, que transita com naturalidade entre o lirismo apaixonado, o tom elegíaco, a sátira política e o existencialismo inquieto. Uma poesia que, mesmo ébria, sabe muito bem onde pisa.

O título da obra já antecipa sua essência: poemas gestados sob a influência simbólica (e literal) do álcool, mas que não se perdem na embriaguez — antes, encontram nela uma lente para enxergar o mundo com maior nitidez e emoção. A palavra, aqui, é fermentada no tempo e destilada na sensibilidade. É poesia que flui como vinho velho em taça nova.

Sousa Filho recusa qualquer engessamento estético. Em sua escrita há traços de romantismo, realismo, parnasianismo, simbolismo, modernismo e até concretismo. O poeta desafia as escolas, hibridizando estilos com naturalidade e dando voz a um sujeito lírico que ora filosofa, ora confessa, ora denuncia. A linguagem percorre do erudito ao coloquial, criando um jogo rítmico e expressivo que enlaça leitor e poema num mesmo sopro.

O cordel, raiz importante da tradição nordestina, também marca presença em sua métrica e musicalidade, assim como a crítica social e o amor à terra natal, cantada com orgulho e melancolia. Há poemas fúnebres que tocam fundo, há sátiras que fazem rir e pensar, e há versos que sussurram com uma beleza quase mística. Em tudo, uma entrega sincera do poeta à palavra.

Ler Poemas Ébrios é participar de um banquete poético onde se serve o que há de mais humano: dores, delírios, utopias, perdas, encantamentos. Sousa Filho é um poeta que escreve como quem vive — intensamente. E nos brinda com uma poesia honesta, desassossegada, feita para ser sentida antes de ser rotulada.

SILVA, Marcello. 2025

Onde Estão Meus Girassóis? – Carvalho Filho e a delicadeza em tempestade


Onde Estão Meus Girassóis?, obra de estreia (em livro solo) do poeta parnaibano Carvalho Filho, publicada pela Editora Tremembé em 2022, é um livro que pulsa entre a técnica e a emoção, entre o clássico e o rebelde, entre o grito e o sussurro. Com 95 páginas que transbordam lirismo e inquietação, Carvalho revela-se um poeta de rigor formal e sensibilidade vibrante — um construtor de versos que respeita a métrica, sem abandonar a alma.

Influenciado por figuras como Van Gogh — cuja admiração transparece já no título e na simbólica capa do livro —, Carvalho faz dos girassóis uma metáfora persistente de busca, luz e esperança. Mas não uma esperança ingênua: seus poemas estão frequentemente atravessados por sombras, tempestades e a sensação de um mundo em ruína. Ainda assim, há beleza. Ainda assim, há flores.

A poesia aqui ora dança no compasso preciso das rimas e ritmos, ora explode em versos livres. Em muitos momentos, o leitor perceberá um “múltiplo de eus” pessoano, com ressonâncias do existencialismo melancólico de Florbela Espanca e da visceralidade de Augusto dos Anjos.

O que une toda essa pluralidade estética é uma marca autoral rara: a busca por um “eu” lírico que, mesmo desiludido, insiste em amar, em criar, em esperar seus girassóis. Em sua poesia, há um desalento manso, um desejo de transformação que se esconde na forma, e um trabalho artesanal com a palavra que impressiona, sobretudo em tempos de dispersão poética.

Carvalho Filho chega ao cenário literário piauiense com força e frescor. Onde Estão Meus Girassóis? é um livro que merece ser lido com calma, com olhos atentos e coração aberto — porque seus versos, embora construídos com rigor, sabem sangrar quando necessário. E é nesse paradoxo — entre a ordem e a paixão — que reside sua beleza mais profunda.

SILVA, Marcello. 2025